Ferida Aberta
Para esta exposição, o Grupo Broca se debruçou sobre a história do Brasil, trazendo uma leitura a respeito da complexa formação de um país que tem um passado colonial, um presente pandêmico e um futuro próximo instável.
Em 2020, a pandemia do Corona Vírus transformou a vida e a percepção dos seres humanos. A fragilidade existencial revelou a necessidade do confinamento e congelamento das atividades corriqueiras, nos levando a um momento único de reflexão.
No Brasil, estamos diante de um desmonte cultural, cientifico e ecológico. Questões como desequilíbrio econômico e social, racismo, feminismo, liberdade de expressão e gênero, assim como preservação do planeta e de minorias étnicas, clamam por mudanças. A pandemia evidenciou este panorama.
Tentando desvendar as particularidades e subjetividades de nossa colonização e as marcas estruturais que carregamos até os dias de hoje, discutimos nossas visões, vivências e posições dentro deste momento delicado, apontando para feridas nunca cicatrizadas desse corpo chamado Brasil.
“Ferida Aberta” é o titulo que encarna esta complexa urgência que a vida nos traz.
O Grupo Broca é formado por dez artistas com trajetórias diversas e que têm em comum a linguagem da joalheria contemporânea como principal forma de expressão. Nossa dinâmica de trabalho compreende encontros periódicos, envolvendo estudo, análise crítica e pesquisa prática. Através de exercícios de reflexão e caráter investigativo, cada uma das integrantes do grupo aprofunda seu próprio projeto pessoal, que se constrói entre vocabulários individuais e agenciamento coletivo, promovendo um fazer que é fruto de diálogo e questionamento. Dessa polifonia fazemos nosso coro.
No coração do Brasils encontra o pulmao do planeta e os guardiões da terra. Vital para o equilíbrio climático, a floresta amazônica com seus rios voadores está na iminência de uma ruína sem volta, causada pelo desmatamento desenfreado e seus povos indigenas graves populações indígenas inundadas com a proliferação de lixo ilegal em suas reservas.
Minha obra impregnada de fumaça e líquido retoma os primeiros contatos entre índios e colonizadores, traçando objetos usados como mercadoria do caminhão e sua relação poética com os elementos naturais: raio / fogo / madeira / fósforo
A injustiça social me fere profundamente. Sendo gringa, mas ter feito do Brasil minha casa, tenho um olhar de fora que entende o “dentro”, mas sem os filtros que os brasileiros tem para poder aceitar estas realidades paralelas. Entendo que o pais é indecifrável, construído em bases convenientes para os europeus, que chegaram e ocuparam, da mesma maneira que fizeram e tentaram nos quatro cantos do mundo. Em alguns, como na América Latina, conseguiram ficar e se estabelecer, bem ou mal, recriando uma sociedade pautada nos valores “de lá”, considerando que tudo que estava a sua frente tinha que se adequar.
O fato de que o corpo está presente em processos criativos/artísticos, como em processos terapêuticos, me faz pensar a relação entre arte e cura, tendo no corpo seu nervo central. Com esta ideia, me interessei pela joalheria das crioulas afro brasileiras ( pencas de balangandã e outros adornos) e a associei a seus corpos de resistência ao regime Colonial. Criar e portar tais objetos, transfigurava seus corpos e sua presença no mundo, para além de seu lugar racializado.
A peça que aqui apresento visita o passado Colonial e este corpo em atos e gestos de resistência/criação, como uma alegoria que o traz para o presente. Com está alegoria me somo às vozes destes corpos que hoje são emitidas na cena pública em alto e bom som. Estas vozes nos impõem, a todos nós estruturados na herança da colonização, a exigência de enxergar o abismo de desigualdade social, sustentado na noção de raça que a naturaliza e que se aplica não só à cor de pele, mas a etnicidade, ao gênero e à classe.
É uma obra de vestir a cabeça: uma viseira de tule e renda de algodão costurada com fios de cobre, que se sobrepõe a uma malha de tricô de fios de cobre que envolve o rosto e a circunferência da cabeça, na qual estão pendurados pequenos elementos usados nos balangandãs, com figas e chavinhas. A presença da malha de cobre que, como uma grade, invisibilizava a existência da escrava sob o domínio da sinhá, torna-se aqui visível e marca sua presença pelo balanço das peças de sua imaginação criadora que transformam as grades em um espaço de transfiguração.
Apoiado sobre um pequeno banco, em seu quarto, encontrei aquele rosário todo amontoado, o rosário de minha mãe. Não sei dizer por quantas décadas ele ficou desaparecido de meus olhos, mas imediatamente o reconheci. Sim, aquele rosário das medalhinhas de Nossa Senhora! É de prata! Lindo, seco, plano, gráfico, repetitivo, reflexivo, amontoado, como uma massa de matéria quase derretida. E, ali no meio, quase camuflado, o crucifixo, discreto e elegante, Nosso Senhor Jesus Cristo. Decidi tirar um molde dele assim mesmo, esparramado e confuso, fazer uma peça de proteção, primeiro em cera, depois em metal. Durante a noite, empolgada com minha decisão, me perguntei sobre minha religiosidade, pergunta difícil para aquela hora, para minha idade, mais difícil ainda para escrever sobre isso justamente agora. No outro dia, perguntei sobre o rosário para minha mãe, ela me disse que estava todo emaranhado, sugeriu que eu poderia ajudar a desenroscar. Me disse também que as Ave-marias eram Nossa Senhora de Fátima e os Padre-nossos eram Nossa Senhora Aparecida, mas que era difícil diferencia-las e isto dificultava a contagem de suas orações. Explicou também, que pelo formato plano das pequenas partes, escapava facilmente de suas mãos, já tão lisas e quase sem digitais. Pesquisando então no dicionário, atualizei o que talvez já soube um dia, para cada dez Fátimas, uma Aparecida, sequência essa, repetida quinze vezes, seriam os mistérios... Ainda costumo rezar, mas em geral faço isso quando estou no trânsito, dirigindo, seria impossível contar o terço, ou também, quando na cama, não conseguindo dormir, ao esquecer de todo o resto, ao rezar adormeço tranquila. Gosto de desatar nós, da mesma forma que gosto de entrelaçar fios, inventando caminhos, também faço isso com muita paciência, é quase um desafio, como um jogo, um labirinto. Nem sempre dá certo, mas também apazigua.
Miriam Andraus Pappalardo
Traumas sobre tramas
As flexões semânticas marcam meu processo.
“Holy-hole-whole, Triz, Tenuis, ausepresente, corte-quase”.
É a partir delas que articulo e ativo determinados assuntos que perpassam a resistência, resiliência, suspensão, presença, deslocamento, ausência e agora o luto.
Flexões semânticas e gestos empregados para dar corpo ao que é imaterial.
O buraco, o sulco, o corte, presentes pela maneira com que delineia relevos, luz, sombra, cheio e vazios, evidenciam a sutileza do lugar liminar. O espaço entre. Pele e veste, corpo e ar. Um lugar de descanso e tensão. Lugar da busca de um constante equilíbrio. Dinâmico.
Esses elementos que sempre deram vastidão e profundidade a seu trabalho, feito na escala do corpo, hoje são marcados pela cisão, pela ruptura, pelo dilaceramento.
A pandemia, o distanciamento. A perda da mãe, a cisão explosiva.
Nesses estilhaços as pontas são agudas, atravessar demanda cuidado. (Vide vídeo)
A ferida está aberta, a cicatrização é lenta, por isso o que cabe é delineá-la,
salvar espaço para reconhecer o que transborda. (Vide instalação)
Para além das bordas, as vestes. Memórias de uma intimidade tecida entre mãe e filha. Testemunho de presença, que revelam irreparável ausência.
O luto, intensamente particular, é também coletivo. Se é preciso uma aldeia para cuidar de um bebe, é ela novamente que vem abrandar o luto.
Na veste o sinal, daquilo que não tem palavra. No peito, em silêncio, o aro interno toca a pele. O encontro com o contorno externo tenciona a trama. Estica, estrutura, exaure. Nos bastidores, a inversão rebaixa o núcleo. O tecido toca a pele.
Nas roupas de minha mãe, o encontro entre dentro e fora é promovido pelos bastidores.
Bastidores, é também aquilo que não se vê, aquilo que está por trás das câmeras, das máscaras, das vestes, mas que deixa vestígio.
Vestígio este que marca uma geração inteira de pessoas que perderam seus familiares. Seja para a pandemia seja durante a pandemia isolar-se é preciso, sujeitar-se é precioso.
Viver é cuidar dos seus e arriscar-se.O dia a dia tem nos trazido uma quantidade de (des)Informações... mentiras, meias verdades, pós verdades, invenções, alucinações, egotrips, delírios de poder, etc. Qualquer um, especialmente através das redes sociais, alcança uma parcela enorme de simpatizantes.
Já que, nesse assunto,
os algoritmos ajudam... levam suas ideias para os que pensam e reagem de forma semelhante, ou seja, vc recebe aquilo que quer ouvir!
Tudo isso cria um imenso ruído na comunicação dos fatos.
Esse tipo de marketing é poderoso em criar confusão e dúvidas, questionando fatos científicos e vendendo "não verdades absolutas".
O objetivo de criar e divulgar informações contraditórias é colocar a pulga da dúvida atrás do maior número possível de orelhas .
Nosso Brasil foi esfolado, esburacado, arrancado, estuprado, mutilado, desfigurado, enterrado, desmontado, surrupiado, expropriado, destituído, extorquido , abandonado , desde que foi encontrado há 500 anos atrás. Nossos corpos, nossos sonhos, nosso tempo, nosso sangue vem sendo esvaziados , sugados, extraídos pelo imediatismo burro, mesquinho, raso, criminoso , estéril, barato, até a última gota.
A situação de total desamparo vivido no estado do Amazonas recentemente, onde milhares de pessoas morreram por falta de oxigênio que não foi disponibilizada a tempo pelas autoridades, é uma ilustração atualizada do descaso e vilania estruturais. O Brasil exala seu último suspiro?
Vídeo 1: https://vimeo.com/623789420
Vídeo 2: https://vimeo.com/623774075
Durante a pandemia , me refugiei na Mata Atlântica e no interior . Nestas idas e vindas gravei os sons do amanhecer e anoitecer durante minhas caminhadas.
Estas captações fazem parte integrante da instalação concebida a partir da vivência e internalização destes sons , que me levaram a construir estes corpos em suspensão .
Corpos desconectados ,esgarçados e feridos.Corpos que flutuam como se quisessem se mover sem o peso da realidade.
Quantos sinais o planeta está nos mostrando mas perece que não queremos escutar ?
Quantos desgovernos e catástrofes precisam existir, para que não fiquemos indiferentes a realidade que se impõe? Todos somos afetados.
Como nos conectar se não por uma escuta sensível que cura .
Link para vídeo:
O Grupo Broca é formado por dez artistas com trajetórias diversas e que têm em comum a linguagem da joalheria contemporânea como principal forma de expressão. Nossa dinâmica de trabalho compreende encontros periódicos, envolvendo estudo, análise crítica e pesquisa prática. Através de exercícios de reflexão e caráter investigativo, cada uma das integrantes do grupo aprofunda seu próprio projeto pessoal, que se constrói entre vocabulários individuais e agenciamento coletivo, promovendo um fazer que é fruto de diálogo e questionamento. Dessa polifonia fazemos nosso coro.